Princípio da Legalidade e as Licitações na Lei 14.133/21

Entender o ordenamento jurídico, em especial o brasileiro – composto por um extenso emaranhado legal, não é tarefa simples.  Além da infinidade de regramentos, a constante modificação do arcabouço legal – reflexo natural do dinamismo da sociedade, requer um estudo contínuo. Para além de tantos fatores, como a complexidade da matéria em si, muitos enfrentam barreiras até mesmo na terminologia usada, no linguajar jurídico.

 

A comunicação legal pode soar até mesmo como um idioma desconhecido e a lei, ao invés de aclarar os direitos e obrigações convidando o cidadão a acompanhá-la, muitas vezes, na contramão, o afasta. Se a tarefa requer tamanha dedicação dos operadores do direito, o que dirá para o simples usuário.

 

Deste modo, tentando trazer luz ao texto legal, vamos começar do princípio… ou melhor, pelos princípios.

 

Eles formam uma base sólida para entendimento das diretrizes gerais que expressam o conteúdo geral e a essência de uma lei.

 

Antes de tudo, cabe ressaltar que os princípios já superaram o papel de mero integrador legal, não são mais apenas um preenchedor de lacunas. No direito, juntamente com as regras – as leis propriamente ditas – eles compõem a norma jurídica. Norma é, então, um resultado composto pelo somatório de princípios e regras.

 

As regras são o texto frio da lei – escritas de forma expressa e solene; no contexto jurídico se apresentam de forma “positivada”. Podem se vestir de tantas roupagens: decretos, portarias, medidas provisórias, estatutos, códigos…

 

Mas as leis, por mais inúmeras que sejam no plano abstrato, não conseguem abarcar toda a realidade que vivenciamos em sociedade. E se já é difícil para o cidadão, numa leitura quase que literal, compreender o que se apresenta de forma expressa, o que dizer daquilo que demanda um debruçar da “hermenêutica”, sendo ela a tarefa de interpretação, conjugada com diversos outros fatores que orbitam o texto legal. A dificuldade não se esgota apenas no entendimento, mas ainda sobre se funcionam em hierarquia, quais delas perderam validade no tempo, ou o que fazer quando aparentemente se chocam. No caso concreto, devemos nos valer de outros recursos, tais quais os princípios legais.

 

Os princípios são valores básicos da ordem jurídica, mas não precisam estar necessariamente expressos, escritos; por estarem esparsos em todo ordenamento podem aparecer de forma derivada ou implícita. São mandamentos que se irradiam sobre as normas, dando a elas um sentido de ser, de existir, de se aplicar – são o “espírito” do sistema, são as raízes da lei, tais como o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da boa-fé, da isonomia, do respeito aos direitos fundamentais. São como diretrizes, norteadores da conduta – na ação e na interpretação da lei no caso concreto, com focos específicos a depender da matéria do direito que coabitam.

 

Importante frisar que os princípios não se hierarquizam, serão sempre sobrepesados; não se esgotam, podem funcionar de forma aglutinada ou excludente – a depender da análise em tela.

 

Mas ainda que existam tantas regras e princípios no ordenamento jurídico, como ponto de partida a fonte originária será única: a Lei Maior é a Constituição Federal (CF).

 

E dela partiremos. “Começando do princípio”, ou melhor, pelos princípios expressos especialmente no art. 37, da CF, em capítulo dedicado à Administração Pública. A partir dele formaremos um entendimento basilar útil para todos os agentes públicos que nela trabalham e até mesmo para os usuários que dela se aproveitam. Encontramos ali, de forma expressamente positivada, os princípios da: Legalidade, Impessoalidade, Moralidade,  Publicidade e  Eficiência; pautados em toda e qualquer atuação administrativa.

 

LEGALIDADE

Reinando onipresente sobre tudo o que parte da Administração Pública, a LEGALIDADE é imperiosa em qualquer ato, decisão ou ação do ente público, seja em esfera federal, estadual ou municipal. Tudo deve emanar de acordo com o que a lei permite. A lei é a origem. A lei é o limite – inclusive de forma a coibir os abusos.

 

Vejamos o art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, que estabelece a legalidade como garantia fundamental dos administrados em face do Estado, onde “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. E o texto constitucional ainda prescreve inúmeros limites à atuação do Estado, seja delimitando as competências de cada ente, prescrevendo seu papel de regulamentação, planejamento e fiscalização (a exemplo dos artigos 174, caput, da CF).

 

E se não há lei? De plano, não pode. Diferente do particular, que se permite fazer tudo aquilo que em lei não é proibido, a Administração Pública só pode atuar dentro do que a lei a autoriza, é a fronteira da licitude.

 

Mas nos casos concretos do cotidiano, nos esbarramos com lacunas deixadas pelo regramento, percebendo que por mais extenso que ele seja,  não é capaz de prever tudo. Ou ainda, nos resvalamos com conflitos entre normas, ou demandas que exigem uma interpretação para além da literalidade que o legislador quis expressar. Nesses momentos, vamos nos socorrer dos princípios – assim como já fundamentam as decisões jurisprudenciais que se revelam nos casos de conflito levados ao judiciário.

 

Referências:

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 22 jun. 2023.

 

 

Autores:

Carlos Barbosa

Advogado de Prefeituras e Câmaras Municipais. Presidente da Comissão Estadual de Licitações e Contratos Administrativos da OAB Minas Gerais. Mestre em Direito Público pela PUC Minas.

 

Cristina Pereira Vono

Advogada, Arquiteta e Urbanista. Pós-graduada em Gestão de Projetos pela PUC Minas.

 

 

 

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